quarta-feira, 18 de março de 2015

As marcas das coxas raladas pelo forró a 10 mil quilômetros de distância


Estive recentemente em uma temporada no Brasil, que por motivos diversos não me permitiu um rala coxa no forró... voltei morrendo de vontade de gingar. Com muita alegria, então, acompanhei neste fim de semana amigos brasileiros num forrozinho em West End, Queensland, Austrália.
Por sinal, West End é um dos bairros mais interessantes que eu já tive o prazer de passar uma temporada. Singelo, alegre, surpreendente e cheio de comida gostosa e gente bonita. Andar 100 metros em West End é passar por um túnel do tempo, onde as fronteiras entre o tempo e o espaço se dissolvem e você não sabe onde passou a última hora. Tudo é efêmero e intenso, eterno e fugaz ao mesmo tempo.
Um forró em West End então nos dá o prazer fugaz com sensações que transpassam aquele momento. Assim estou eu, no forró, e neste momento só observando o movimento de brasileiros, exultantes de alegria por expressar sua cultura, seu corpo, seu movimento num lugar tão distante, e os australianos, hipnotizados por essa alegria, cultura, por esse gingado de um lugar tão exótico. Tenho certa curiosidade numa mesa de brasileiras. Elas são todas baixinhas, mion como se diz no Brasil. Todas lindas, corpos perfeitos, cabelos bem cuidados, etc, etc. E todas ali com um só homem na mesa. Assim, elas se revezam com o bendito cujo na pista de dança. Até aí minha curiosidade se reserva ao fato de mulheres tão similares terem se encontrado e se agregado em lugar tão distante.
Há do outro lado do bar, três brasileiros, tomando uma cerveja no balcão. Esse trio é composto por duas mulheres lindas, mais altas, e um moço do Recife, de cabelos encaracolados. Uma das meninas é uma das melhores dançarinas de forró que eu já tive o prazer de ver ao vivo. A outra é mais tímida e está somente agora se arriscando em tais passos. Visivelmente, a moça que dança como nenhuma outra está interessada no pernambucano (e eu não posso tirar sua razão, são quase todos interessantíssimos). Eles formam um casal lindo de se ver, expressam o que sentem dançando com muita presença.
O interessante é que depois de dançar com uma das mion, o macho único da mesa se dirige à moça que dança como ninguém. O que se observa a seguir é surpreendente:
A menina expressa que eles já se conhecem de algum lugar. Então ela grita para o pernambucano, expressando a sua naturalidade: "MEU, eu já dancei forró com esse cara em SP!". Vejam bem-  esse casal que já ralou suas coxas em SP se reencontra no meio do nada desse continente-ilha. Claro que passam então a dançar a próxima música, relembrando passos passados. O que é mais interessante ainda se segue. É notório que o cara muda de figura, que relembra também sentimentos passados, e agora muito presentes. Ele gosta da moça que dança como ninguém. Eles também formam um casal bonito de se ver, embora ele dance com menos sentimento e mais técnica (piruletando). Bom, a menina tenta correr de volta para o pernambucano, mas por vezes fica atrapada com o cara único. As moças pequenas começam a dançar umas com as outras, um australiano de rastafari começa a arriscar alguns passos, e eu peço outra cerveja no balcão.
Para criar um certo suspense, vou agora contar da banda. O cantor é brazuquíssimo, mas criado na Itália. Tem claramente a preocupação estética dos romanos. À sua direita, dois músicos australianos. Um termina o doutorado sobre o Tom Jobim e teve o prazer de passar um mês na casa dos Jobim fazendo pesquisa de campo (é, tem gente que sabe escolher o seu tema de pesquisa). O outro toca flauta e é muito simpático, mas não tive o prazer de conversar, só de receber seu sorriso. À sua esquerda estão um brasileiro na percussão e um italiano no baixo. O grupo manda bem no som, curti!
Concentrados que estão em seu trabalho, não observam que a menina que dança como ninguém conseguiu beijar o pernambucano, que na sequência começou a dançar com as mion. Que o australiano rastafari está interessado na brasileira que apenas aprende e que há agora um pequeno conglomerado de homens australianos dançando forró na frente do palco como se fosse uma dança qualquer, assim, sem dupla. E que eu finalmente saí para comprar uma esfiha no buteco libanês que fica na esquina.

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