BRASIL

Há um bairro na cidade da Praia chamado Brasil. Todos sabem que o Brasil é o lugar mais perigoso da cidade, entre a Achada Santo Antônio e a Embaixada do Brasil, meio irônico. Eu achei que havia um certo exagero na história, eu nunca entrei no bairro a não ser por um restaurante gostoso que eu fui um par de vezes. Mas me disseram que há uma faixa escrita “Bem vindo ao Brasil” mas que é melhor não tentar tirar a máquina para tirar uma foto. Mas outro dia escutei outra história, que saiu naturalmente, perguntei como estava a Wanda, só a vi uns dias depois que eu cheguei, e tal, me responderam: “Ih, a Wanda está mal mesmo, não é um bom período para ela, mudou de emprego recentemente, e não conseguiu alugar nada a não ser no Brasil, coitada”.

Mas isso tem a ver com a visão que as pessoas têm do Brasil. Já escutei algumas pessoas dizendo que nem amarradas iriam pro Brasil, que tem muita violência, credo!!!! E para mim isso tem a ver com a forma com que nós fazemos os noticiários e eles fazem. Como eu já disse, aqui passa a record. E passa o noticiário do Brasil. E eu só notei isso porque eu nunca tinha pegado o jornal da record aqui até um dia desses e fiquei chocada, porque desacostumada. Na uma hora do jornal só se mostrou desgraça, eu que estava tomando meu café da manhã fiquei até com o estômago embrulhado. Tinha esquecido o que era um jornal no Brasil. O “jornal nacional” de Cabo Verde, por sua vez, é quase uma propaganda do país, estilo totalmente diferente, se mostra as formações, encontros, reuniões que aconteceram durante o dia na cidade, os progressos realizados, etc. É normal todo mundo que mora aqui já ter aparecido no jornal um bocado de vezes, eu mesma fui filmada em várias reuniões que fui, a primeira vez que eu recebi um feedback foi da minha antiga empregada: “Vi a senhora no jornal outro dia, muito bonita a faixa que estava usando na cabeça”. Ah, a reunião do dia da faixa, respondi eu, obrigada...

Claro que estando acostumado ao estilo do noticiário local, assistindo o brasileiro que passa na record você acha que aquele país só tem doido, é o fim do mundo, só tem violência, pais jogando os filhos pela janela... minha nova empregada colocou o dedo na minha cara outro dia e disse não entender o meu país, como um pai pode fazer aquilo com a filha. Tentei explicar que é um país grande, bem diferente de Cabo Verde, e que nem todos os pais jogam os filhos pela janela, foi uma fatalidade de que nunca tinha ouvido falar antes, etc, mas ela só balançava a cabeça e dizia que esperava nunca ter que ir ao Brasil, mesmo que eu fosse uma pessoa legal. E eu sei que o jornal da record é ainda mais sangrento que os outros, mas o nosso jornal nacional ou qualquer outro não tem o estilo muito diferente, só falamos de corrupção, acidentes, ao que eu me lembre. Além disso, a propaganda que fazemos do país no exterior, para atrair turistas, gira em torno de mulheres durante o carnaval, mulatas sensuais, praia com coqueiros, parece que não tem uma cidade muito normal que tenha um pouco de segurança. É... até agora não achei ninguém muito empolgado em me fazer uma visita no meu país de origem em qualquer momento.