Estou lendo o meu segundo livro desta formidável autora.
Agora leio "A morte do gourmet", e sua linguagem é tão rigorosa e suas reflexões tão profundas que a cada linha eu me impressiono mais e mais.
O primeiro livro (A elegância do ouriço) é quase um tratado filosófico. Amo todos os personagens por ela construídos. Ambos são leituras essenciais.
Algumas passagens:
"Eu tinha perdido. Quantas vezes, desde então, repassei em pensamento- e em imagens- esse episódio dilacerante, esse momento em que alguma coisa poderia ter balançado (...) Como em câmara lenta, na tela dolorosa de meus desejos frustrados, os segundos desfilam; a pergunta, a resposta, a espera e depois o aniquilamento. O clarão em seus olhos apaga-se tão depressa quanto se incendiara. Enjoado, ele se vira, e me reintegro imediatamente nas masmorras de sua indiferença".
"Mais ninguém tinha fome, mas, justamente, isso é que é bom na hora dos doces: só são apreciados em toda a sua sutileza quando não comemos para matar a fome e quando essa orgia de doçura não satisfaz a uma necessidade primária, mas cobre nosso palato com a benevolência do mundo".
"Os cozinheiros japoneses que conheço só chegaram a mestres na arte do peixe cru depois de longos anos de aprendizagem, quando a cartografia da carne, pouco a pouco, se revela na evidência. Alguns, é verdade, já têm o talento de sentir, sob seus dedos, as linhas de fratura por onde o bicho oferecido pode se transformar nesses sashimis deliciosos que os especialistas conseguem exumar das entranhas sem gosto do peixe. Mas mesmo assim só se tornam artistas depois de terem dominado esse dom inato e aprendido que somente o instinto não basta: também é preciso habilidade para cortar, discernimento para visar o melhor e caráter para recusar o medíocre."
"As palavras: escrínios que recolhem uma realidade isolada e a metamorfoseiam num momento de antologia, mágicos que mudam a face da realidade embelezando-a com o direito de se tornar memorável, guardada na biblioteca das lembranças. Toda vida só é vida pela osmose da palavra e do fato, em que a primeira reveste o segundo de seu traje de gala. Assim, as palavras de meus amigos de fortuna, aureolando a refeição com uma graça inédita, tinham, quase se, que eu quisesse, constituído a substância de meu festim, e o que eu apreciara com tanta alegria era o verbo e não a carne."
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