ASSIM CANTA MEU GALO
Daquele natal lá de casa da minha infância, guardo o batimento cardíaco daquela véspera.A surpresa dos presentes sobre os sapatinhos, o cheiro de plástico novo que vinha da carne cheirosa e macia das bonecas novas, a alegria dos meus irmãos, guardo o meu pai pintando a casa nas anti-vésperas que moram nos começos de dezembro, guardo o peru gostoso com farofa e todo o teatro da tragédia que antecedia sua morte para a nossa ceia.(Sou da horda dos humanos que comemoram assim essa passagem), por isso vos falo:Guardo a certeza do vestido novo e uma música que castigava muito meu coração, a ponto de eu chorar, como até hoje o faz:“Eu pensei que todo o mundo fosse filho de Papai Noel..Papai Noel, vê se você tem a felicidade pra você me dá?”Abria logo meu brinquedo de chorar. Essa música toca na praça pública da infância, da minha vida, num alto falante que até hoje me leva a ponto de soluçar. Sei lá. Parecia que nessa hora o mundo todo ficava pensando que era bom.E o mundo ficava mesmo bom. Parece, até hoje!Mesmo sabendo que se aproveita do sonho de ser bom, de fazer o bem, de caprichar considerando a existência do outro, se aproveita disso para se fazer comercial. A cegueira do dinheiro.A cegueira mais banal.Enfraquece o movimento.Meu sentimento é de que muitos, muitos natais moram em mim.Penso que foi uma aula de esperança que eu recebi. Como na minha infância ser pobre não era ser miserável, no Brasil capixaba que me cabia, eu pensava que quando ouvia aquela canção ”Eu pensei que todo o mundo fosse filho de Papai Noel”, me fazia crer que ele era uma espécie de Deus da justiça e certamente daria brinquedos para as crianças pobres também. E era verdade. Nas casas pobres da minha cidade, também tinha o retrato da alegria no quintal ou no terreiro em frente a casa.Eu via meninos e meninas pobrezinhos, com a renda bem distribuidinha em forma de brinquedos mais simples, mais baratinhos e por isso mesmo, mais brinquedo assim. Natal pode ser aula de solidariedade da vida então!Que coraçãozinho de criança iria acreditar que não? Quem que iria supor que a injustiça golpeasse ainda tanto? Posto isto, fora as severas palmadas de minha avó, poucas vezes me encontrei com a tristeza quando eu era criança. Poucas vezes me encontrei com um pouco da estupidez que minha ingenuidade sabia sobre o mundo e um pouco da brutalidade desse mesmo mundo. Achava que existia algum horror, mas nunca a ponto do mal poder vencer a batalha. Por isso cresci fabricante de sonho e querendo aprender a produzir a paz.(Sou da horda dos humanos que acha que pode mudar o jogo).Como sou errante, guardo essa sensação reluzente de pisca-pisca na árvore agradando a memória.Guardo essa glória - o bordado em ponto-cheio e ponto- atrás, tramado ao jardim da toalha. Dessa data guardo esse desejo de alegria, de agasalho, de fartura em todas as mesas do mundo.E guardo essa madrugada para o dia principal, ardendo no meu peito! E é desse jeito.Ainda dá pra salvar o mundo. Todo o homem, em qualquer tempo, pode estar a ponto de renascer! Tudo pode ser sonhado antes de acontecer. Já passa de 2000, quase 2010, você não vê? Canta, meu galo, canta, palavras existem para esclarecer!Agora, dentro do batimento cardíaco desta véspera, mas na madrugada daquela hora, vontade me dá que se receitasse versos para o mundo tomar, o mundo é um menino que nos escreve uma carta, pedindo para a gente dele cuidar. Ainda hoje, quando faço isso que acabo de escrever, me sinto eu papel Noel sobre o telhado, portando esse poema para você e tendo que chegar com ele vivo às tuas mãos,antes do amanhecer.
Elisa Lucinda.Natal de 2008
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