quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

O movimento punk não chegou aqui

O carnaval, como o clima, a povoação, a cultura, difere-se enormemente entre as ilhas. O carnaval mais tradicional, que segue a linha do Rio de Janeiro, com competição entre escolas de samba, que se preparam por todo o ano, com divulgação dos resultados na quarta feira, festa dos campeões, é o da ilha de São Vicente. Aqui na ilha de Santiago a tradição é o desfile das crianças no sábado e domingo, o desfile dos adultos na terça feira (segunda é dia normal de trabalho, terça trabalha-se meio período), e o ápice, as cinzas, na quarta.
O desfile das crianças é muito interessante, é um misto de carnaval carioca e baiano. Cada escola promove o seu desfile. As crianças ficam fantasiadas dentro do cordão de isolamento, e os pais são aqueles que na Bahia recebem R$1o por noite para segurar as cordas, sem direito a água. Atrás do cordão, no desfile da escola Pimpão, a qual eu assisti, havia um carro alegórico com crianças fantasiadas de animais. O desfile dos adultos eu não assisti, a não ser na televisão, e segue também o padrão carioca, embora com fantasias bem mais simples. O engraçado é que o jornal informou que como os desfiles começaram com uma hora e meia de atraso, as duas últimas escolas que estavam previstas não conseguiram desfilar (como já falei antes, aqui não há iluminação pública nas ruas). Agora pensa, você ensaiar, preparar todo um desfile e não sair na avenida...
Eu fui a dois bailes, um no sábado e outro na terça. Sábado eu fui vestida normal e absolutamente todas as pessoas estavam fantasiadas, e o baile se resumiu a marchinhas de carnaval, achei o máximo, faziam anos que não ia a um baile tão tradicional! Assim, passei domingo, segunda e terça quebrando a cabeça, pensando numa fantasia com os recursos disponíveis no meu armário. Cheguei a constatação de que em qualquer mala ou mochila de um verdadeiro viajante deve constar uma fantasia. Quando cheguei em Israel também fui a única não fantasiada na festa do Purin... afi! Terça de manhã estava decidida a ir de banheiro, pegando a cortina do meu, e amarrando um cano. Quando cheguei em casa desisti, aquela cortina dá um trabalho... uma amiga ofereceu o roupão de banho, fiquei com preguiça de ir na casa dela, estava concentrada na dissertação... por fim, lembrei da Lu na minha festa de despedida anos 80, chequei meu armário e resolvi ir de Punk. Fui toda de preto, fiz uma hiper maquiagem punk, acho que fui bem caracterizada, mas ao chegar na festa, a primeira pessoa que encontro diz: "Não acredito que você não veio fantasiada"... fiquei arrasada... depois outra e mais outra... dentre todas as hipóteses, acho que o movimento punk não chegou em Cabo Verde e ninguém entendeu minha fantasia!!! O mais divertido é que como o país é muito pequeno e eles quase não tem notícias para passar no jornal nacional, cada tópico tem muitos e muitos minutos disponíveis. Assim, ao mostrar o carnaval em Santiago, o jornal de ontem mostrou por muitos minutos a festa em que eu estava. Fiquei estarrecida, vi todos na festa, mas por sorte escapei da gravação... lá me perguntei em que festa teriam ido meus amigos espanhóis que não apareceram por lá, a resposta veio na próxima gravação, todos bebinhos, sambando, em outra festa da cidade... você não pode se esconder num país tão pequeno (esse era o jornal nacional, aquele que precede a novela da noite)... hehe
Mas o mais legal é a grande tradição das cinzas. Por sorte fui convidada por uma colega para passar as cinzas na casa da sua vó, no interior da ilha, num vilarejo chamado São Lourenço dos Órgãos, que eu já tinha ouvido falar por ser o palco do único jardim botânico do país. O que acontece é uma grande festa em família, com um almoço cujo prato é: peixe seco com leite de coco e couve; xerém; cuzcuz com mel (que na verdade é melado) de sobremesa. A casinha da vó da Anita é quase no topo de um pico da Serra da Malagueta, por isso ela quase não sai de casa por sentir muitas dores nas pernas. Eu cheguei toda cool metida a atleta e voltei quase engatinhando, com uma sacola cheia de presentes, grandes preciosidades: ovos caipiras, cuzcuz, tomates, couve, favas...
O Jardim Botânico é lindo... no meu preconceito, achei que fosse achar um pequeno jardim, já que perguntei se por acaso não estaria fechado e responderam "Ah, ele está sempre aberto", mas é um local super bem cuidado e com muitas variedades de flores e árvores e pude até ver a famosa calabacera, árvore do fruto típico daqui. Na volta visitamos mais alguns familiares da Anita, e a cada casa que entramos, temos que repetir a refeição, é a tradição do interior. Foi muito divertido meu carnaval em Cabo Verde. Amanhã publico algumas fotos.

Um comentário:

Unknown disse...

Amiga, estou lendo suas peripécias...adorei a idéia de ir fantasiada de banheiro(ri sozinha) mas no final fostes punk e ninguém entendeu sua fantasia! Como cultura é interessante hein...estás tendo uma vivência única não! adoro tudo que escreve! não pare! beijos

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